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Passando o trator

01/11/2011

– Carta de Formulação e Mobilização Política – Terça-feira, 1º de novembro de 2011 – Nº 349. Concluída às 9h50

Sempre que se vê diante de um problema, o governo petista recorre à saída mais fácil: afrouxar a lei. Aconteceu novamente agora com o pacote ambiental publicado na última sexta-feira. A presidente Dilma Rousseff realizou um antigo sonho e passou o trator por cima do arcabouço legal que regia a concessão de licenças ambientais no país. Mas a complexidade e os riscos da questão ambiental não cabem em deliberações governamentais enfiadas goela abaixo.

Sempre que se vê diante de um problema, o governo petista recorre à saída mais fácil: afrouxar a lei. Foi assim quando apresentou e aprovou no Congresso o novo Regime Diferenciado de Contratação. E acontece novamente agora com o pacote ambiental que ocupou 23 páginas do Diário Oficial da União da última sexta-feira.

As exigências do licenciamento ambiental sempre foram alvo da ira da hoje presidente da República. Quando era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff adorava culpar as delongas dos órgãos ambientais pelo fracasso do seu Programa de Aceleração do Crescimento. Na semana passada, ela realizou um antigo sonho e passou o trator por cima do arcabouço legal que regia a concessão de licenças no país.

O pacote ambiental ora lançado redesenha o rito de licenciamento exigido no país. Impõe prazos, de até 90 dias, e reduz as possibilidades tanto de apuração dos órgãos licenciadores quanto de alegações dos empreendedores. Também reduz as exigências para o licenciamento da exploração de petróleo do pré-sal.

Não se tem notícia de que mudança tão drástica nos procedimentos legais tenha sido discutida com a sociedade. O pacote ambiental foi embrulhado em sete portarias, das quais três são interministeriais e quatro foram assinadas apenas pelo Ministério do Meio Ambiente.

As primeiras reações foram imediatas. As mais fortes surgiram justamente de quem lida diretamente com algumas das áreas mais sensíveis do ecossistema brasileiro. O Ministério Público Federal no Pará, por exemplo, classificou o conjunto de normas de “um absurdo”. “[As novas normas] demonstram um completo desconhecimento da realidade amazônica”, disse o procurador Felício Pontes à Folha de S.Paulo.

Um dos problemas mais evidentes do licenciamento ambiental no Brasil é a fragilidade dos órgãos avaliadores. Sua estrutura tem se mostrado crassamente insuficiente para dar conta da demanda. O Valor Econômico mostrou em sua edição de ontem que “todas as instituições que fazem parte do processo ambiental estão com suas estruturas internas estranguladas e sem pessoal capacitado para lidar com a demanda gerada pelas obras em execução no país”.

O Iphan tem 40 funcionários destacados para lidar com autorizações ambientais sob o ponto de vista da preservação do patrimônio histórico. O ICMBio, que cuida de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade, tem 20 servidores dedicados a licenciamentos. A Fundação Palmares, que zela pelos quilombolas, mantém seis profissionais na área e a Funai, que protagoniza embates na defesa das questões indígenas, tem 17 funcionários.

O Ibama aparece em melhor situação: conta com 362 servidores dedicados aos processos de licenciamento. Mas sua demanda cresce em velocidade exponencial. Entre 1990 e 2000, o órgão liberou 206 licenças ambientais, número que se multiplicou por 16 na década seguinte, quando 3.303 autorizações foram emitidas. Só neste ano, o Ibama já liberou 421 licenças.

Nos próximos anos, a carga de demandas ambientais vai crescer ainda mais. As novas regras também preveem a necessidade de se licenciar toda a malha rodoviária e as estruturas portuárias já existentes, que se juntarão aos vultosos empreendimentos que ainda estão por serem feitos.

Nos próximos dez anos, a previsão oficial é que será necessário licenciar mais 31,5 mil MW de energia gerados por novas hidrelétricas, 32.450 km de linhas de transmissão, 16.419 km de rodovias e 23.140 km de ferrovias, além de investimentos de R$ 1,4 bilhão em portos e o aumento da produção de 3,3 milhões de barris de petróleo.

Diante de tamanho desequilíbrio entre a demanda por licenciamento e a capacidade de o Estado agir, desrespeitar a rigorosa legislação ambiental brasileira tem se mostrado bom negócio. Com fiscalização capenga, apenas 1% das multas aplicadas nos últimos anos foram pagas e a verba que deveria ser destinada por empreendedores a unidades de conservação a título de compensação ambiental também não tem chegado a seu destino.

Há quem diga que, com o objetivo de simplificar as regras, a mudança ora proposta pelo governo federal pode simplesmente inviabilizar a concessão de muitas licenças. A complexidade muitas vezes envolvida num processo de licenciamento não cabe na via rápida imaginada pelas novas portarias. Se só poderá ser feita uma complementação de informações, o mais provável é que a licença seja negada.

Acelerar a tramitação e a liberação das obras não é, em si, algo negativo. Pelo contrário. É preciso desatar o cipoal de exigências e desvãos que a burocracia impõe a quem, muitas vezes, quer simplesmente produzir algo no país. O problema surge na forma como o processo de mudança é conduzido, ou mesmo na ligeireza de suas deliberações. A complexidade e os riscos da questão ambiental não cabem em portarias governamentais enfiadas goela abaixo.

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela.

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